"A homossexualidade de uma figura histórica não a desmerece"

Investigação Historiador espanhol fez investigação sobre monarcas e nobres que esconderam parte da sua vida sexual. Os leitores portugueses têm direito a uma versão reforçada de surpreendentes e alegados exemplos nacionais, que não estão nos manuais de história<br />
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O seu livro Reis Que Amaram como Rainhas é uma investigação de história ou um manifesto gay?

As duas coisas. Tem uma parte de manifesto gay, mas o fundamental é a sua junção com um livro divulgador de história, muito bem documentado e numa linguagem bastante acessível. A minha intenção é contribuir para a normalização da homossexualidade na história, que sempre se ocultou no passado, apesar de ser uma parte importante daquilo que se deve conhecer.

Essa dupla intenção manifesto/divulgação mantém, mesmo assim, o rigor histórico?

Não desmerece o que se chama de rigor histórico, mas também não há nenhuma concessão, nem sequer literária, para que a parte que o livro possui de manifesto gay supere a do rigor histórico.

Ou seja, o cariz de manifesto gay não desvirtua a investigação?

Pelo contrário. Creio que é necessário incluir a visão homossexual na história e acabar com essa faceta sempre ocultada nos monarcas só porque poderia desvirtuar a política de Estado. Isso não é o que acontece e, por essa razão, é preciso tirar do armário os reis que amaram como rainhas.

O estudo sobre a homossexualidade vai alterar a visão da história?

Com certeza, porque até agora nunca se olhou para a história sob esse ângulo. Os tempos mudaram e a história tem de responder às perguntas actuais com documentos e biografias.

Há no livro uma frase sobre Júlio César: "Marido de todas as mulheres e mulher de todos os maridos." Não é um pouco exagerado?

Na sua época, a homossexualidade não era escandalosa ou mal-vista. A Júlio César critica-se assumir o papel passivo na relação porque não era bem-visto no tempo dos romanos. Ainda hoje, o homossexual que se critica é aquele que assume o papel feminino enquanto o que mantém o papel activo é equiparado ao macho.

O que pensa dessa visão?

O que é correcto é que se veja a relação homossexual como mais uma relação sexual e que não seja punida como delito ou, pelo menos, malvista como relação sexual.

O sentido da governação altera-se se em vez de ser activo for passivo?

Não tem nada que ver. O exercício do poder não tem qualquer relação com o que se faz na cama e, depois, num conselho de ministros. Tê-lo--ia antes quando era delito e necessário ocultar porque se poderia ser chantageado ou a relação surgia como um impedimento legal. A chantagem evitou-se legislando a igualdade de direitos.

A maioria destes reis que investiga no livro foram bissexuais ou homossexuais?

Creio que a maioria foram bissexuais, mas, porque servia de exemplo, o que documentei foi a relação homossexual.

Escreve para desmistificar ou para provar uma teoria?

Só para desmistificar a política de Estado que fez manter em segredo essa faceta de certos monarcas, aristocratas e nobres. E também para reivindicar que a homossexualidade de uma figura histórica não a desmerece como herói histórico.

Acredita que os leitores portugueses vão gostar de saber que o infante D. Henrique e D. Sebastião eram homossexuais?

Não escrevi para provocar o leitor português, mas para lhe dar a conhecer que os grandes mitos tinham uma faceta homossexual, que não os desmerecem no seu valor. Na tradução portuguesa, tive o cuidado de pôr mais exemplos de portugueses do que na espanhola, onde fiz uma outra escolha.

Houve alguma personagem portuguesa para quem não tivesse documentação?

Sim, um membro da família Bra-gança que vivia em Inglaterra e sobre quem só encontrei um comentário.

No capítulo sobre Pedro I, o Grande, não se encontram referências que suportem a sua tese mas, mesmo assim, publica-o. Porquê?

É verdade que é o que está menos documentado, apesar de na Rússia todas as pessoas comentarem a homossexualidade de Pedro I. O que aconteceu foi que enquanto o estava a investigar nunca consegui encontrar um só documento que apoiasse essa tese, a não ser a relação muito íntima entre ele, a mulher e o companheiro Menshikov.

Como foi a reacção em Espanha?

Teve uma boa recepção. Sou professor catedrático na Universidade de Las Palmas e nenhum professor de qualquer universidade me criticou. Até estiveram dois reitores na apresentação do livro. As críticas foram óptimas e já se venderam 30 mil livros.

Qual é o perfil do leitor deste livro?

Este livro não tem que ver com a sexualidade do leitor, está dirigido a quem lê e se interessa pelo romance histórico. Até fiz questão de escrever um pouco romanceado.

O seu livro anterior é ainda mais polémico?

Sim, muito mais polémico desde logo porque em Outing en España o prefácio era escrito por um ministro de Felipe González, estávamos em 2000 e tirava do armário 500 personalidades espanholas...

Porque decidiu escrever este livro

Como professor especializado na Era Moderna, deparava-me sempre com esse vazio histórico e questionava-me como seria possível não haver um rei homossexual. Esse interesse não era só meu, pois, já nos anos 80, Michel Foucault, entre outros, tinha-se interrogado sobre arazão de só existirem pequenas alusões à homossexualidade.

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